“O consumo não é uma disputa de produtos. É uma disputa de cabeças”

O consumidor tem que olhar a embalagem e entender o que está ali atrás. A embalagem embasa uma empresa. Confira a entrevista de João Batista Ferreira, CEO da J2B Innovation to Business, sobre o tema!

Num mundo cada vez mais competitivo, com prateleiras repletas de iguais, poucas empresas no Brasil utilizam a gestão de marca para conquistar os consumidores no ponto de venda (PDV). O mundo do varejo ainda não compreendeu a real importância da marca. “E se a empresa não trouxer valor para os produtos, ela vai desaparecer. É inovar ou morrer. O branding é a solução, seja qual for o tamanho da empresa”, afirma João Batista Ferreira, CEO da J2B Innovation to Business.

O executivo traduz a sua marca com eloquência: essa é uma empresa que tem uma obsessão excessiva com a gestão da interação da marca e dos fenômenos de explicitação da essência.  “É essencial a essência aparecer”.

Esse é o discurso da marca que cria uma relação de encantamento com os consumidores. E eles valorizam isso. Esse é o assunto da entrevista que Ferreira concedeu à revista Pack, na qual destacou os essenciais aspectos da gestão de marca. Confira!

Bons produtos já não garantem excelentes resultados, principalmente, porque as diferenças entre os concorrentes são pequenas. Como a gestão de marca pode ajudar o varejo a definir como sua empresa será vista e vivenciada pelo consumidor?
Sem dúvida, as características dos produtos já não são tão relevantes para o encantamento do consumidor. A razão é muito simples. A questão da qualidade foi muito importante nos anos 60 e 70, quando houve a explosão dos produtos.

Hoje, nós vivemos a era da abundância de produtos. Como isso se conecta com a ideia de marca? As pessoas consomem para satisfazer os seus desejos. E se elas estão à frente de infinitas opções, elas só vão comprar quando elas escolherem. Para fazerem a sua escolha, é preciso que o produto transmita algo que seja minimamente compreendido. No mínimo, os consumidores têm que compreender o que o produto oferece.

Por isso, é o discurso da marca que vai fazer, finalmente, com que a pessoa escolha o produto X ou Y. E ao escolher, o consumidor segrega aquilo que melhor fala com ele. Se ele é um jovem de 15 anos, tem uma relação muito forte com a música. Ele conhece metal, está na internet e está na rede social. Ele não nasceu, ele fez download. Se a empresa não fala essa língua, esse jovem nem presta atenção no produto. Mas as marcas que falam a sua língua, ele se torna fã.

Ele experimenta. E ao experimentar o produto, ele fala para milhares de pessoas que estão conectadas na rede. Ele diz: “compre um produto que é um barato”. Essa recomendação é essencial. Por isso, é essencial a essência aparecer. Então, seja qual for o produto, ele tem que ter essência. Ele tem que ter um discurso, porque o consumidor tem um detector de mentira.

Você não pode contar uma coisa e fazer o contrário. Se é essencial a essência aparecer, o papel da embalagem é muito importante. O consumidor tem que olhar a embalagem e entender o que está ali atrás. A embalagem tem que ser mais que bonita. A embalagem embala uma empresa. Então o consumo não é uma disputa de produtos. É uma disputa de cabeças.

O que é mais importante na gestão de marca para falar com o consumidor?
Entender o consumidor. Entender sociologicamente a composição e a formação da sociedade. É preciso se dedicar a isso. É preciso lembrar que você não pode mais agir assim: eu faço, eu entrego e desapareço. Não, agora é: eu faço, eu entrego e eu continuo nessa relação. A marca é a representação simbólica da empresa. A marca é o símbolo traduzido visualmente e/ou auditivamente, sensorialmente. Ela não tem que fazer sentido. Tem que fazer os cinco sentidos. Existem milhões de empresas, mas poucas estruturadas para cuidar da marca com a consciência de que ela é tudo.

A gestão de marcas abre um leque de possibilidades na comunicação entre empresas e consumidores?
A empresa faz os seus produtos. Ele tem toda uma cadeia até chegar lá. Não basta mais fazer publicidade pura e simplesmente. Ele tem que estar onde o consumidor também esteja. Já se criou um ambiente que simula a rua, com ar condicionado e estacionamento.

São os centros comerciais especializados onde eu consigo comprar um mix de ofertas de praticamente todas as coisas que atingem os consumidores. Existe também o varejo especializado, como Casa & Construção e Home Center. É preciso que a empresa fale onde o consumidor está atento. Podemos falar com a sociedade por meio de vários ambientes de conexão. Mas para falar, eu preciso me representar.

E o que traduz essa representação antes do produto é quem eu sou como empresa. E quem eu sou como empresa é o nome popular de uma coisa chamada marca. Porque só aquela empresa é assim. Só ela tem aquela marca. A marca é uma coisa tão importante na empresa que deveria ser a pauta número um de todos os gestores.

Então hoje a marca não é a pauta número um dos gestores?
Não. Isso não acontece somente no Brasil, mas no mundo. Há muitas empresas que ainda consideram a marca apenas uma simbologia pura e simples. É como gerenciar a receita, o lucro, o estoque.

Elas segregam essas categorias que fazem parte do operacional da gestão, mas esquecem que cada um desses nichos contribui para a construção da marca. A marca é intangível, mas todos trabalham para ela.
Então onde quer que a marca friccione socialmente, ela tem que ser transmitida. Daí a frase “essencial a essência aparecer”. Então, a empresa aparece em todas as manifestações da marca e, com isso, todas as áreas têm que se envolver nessa direção.

Em sua opinião, como as redes sociais podem impactar as marcas?
Nunca os jovens escreveram tanto. Hoje, eles escrevem o dia inteiro. Na minha geração, eu fazia caligrafia e redação. A escrita era direcionada para representar alguma coisa que vinha de fora de mim. Era uma demanda.

O resultado dessa nova realidade está nas vendas de smartphone que explodiram este ano no Brasil, com um crescimento de quase 70%. Estes smartphones conectam uns com os outros e oferecem aos jovens o acesso às redes sociais. Com essa condição, dá para imaginar 100 mil jovens dizendo que o produto X ou a marca Y não é legal? O que pode acontecer? O impacto é muito forte e difícil de administrar. Hoje, a reputação de uma empresa está nas redes sociais.

Um bom exemplo do que isso pode representar é o que aconteceu com a United Airlines. Um jovem músico teve o seu violão quebrado durante um vôo da companhia aérea que não resolveu prontamente o problema. O que ele fez? Ele compôs uma música contando o seu drama e postou no youtube. Ele virou fenômeno instantâneo na internet. Milhões de pessoas viram o vídeo. O músico ficou mais famoso que a própria empresa.

A marca é muito impactada, já que tudo que é bom ou ruim para uma empresa é atribuído a elas. A marca representa simbolicamente o que ela produz para o consumo. E quanto mais ela se relaciona com o consumidor, mais cuidado ela tem que ter com ele. Nesse sentido, as redes sociais são hoje uma certificação. E não adianta ir para lá e fazer propaganda da empresa no Facebook. Lá é lugar para você falar a que veio. Uma empresa que produz alimentos, por exemplo, tem que falar sobre saúde, segurança alimentar e a importância dos alimentos. Ela tem que dizer que ela entende daquilo que produz. Direta ou indiretamente, o mundo das redes sociais e o mundo da conectividade influenciam todo o varejo de A a Z.

Como não ser impactado negativamente nas redes sociais?
Sendo autêntico. É um dos atributos essenciais para as empresas no mundo do varejo. Lembra que a Nike teve um problema muito sério ao ter a sua marca associada à exploração de crianças em suas fábricas? Isso custou uma reformulação completa do discurso da marca. Mas antes da reformulação, custou a demonstração de que isso não vai ocorrer jamais. Vão sobreviver aqueles que melhor se traduzirem a si próprios.

Quando uma marca é importante para o consumidor?
Quando ela satisfaz as suas necessidades e supera as suas expectativas. Por exemplo, quando uma empresa além de vender o leite, mostra como devo usar o produto, porque é bom. Eu vou compreender não instintivamente que o leite é bom, porque eu já sei, mas o que significa leite. Essa empresa está surpreendendo. Ela está indo além do que ela oferecia, ou seja, apenas o produto.

A proposta de fazer com que as pessoas compreendam além daquilo que elas estão utilizando, no sentido do que não é compreender, mas no sentido de ser sensorialmente percebido pelo inconsciente. Daí a necessidade de inovar sempre. Não podemos confundir inovação com novidade.

O design thinking do business é uma nova abordagem para a inovação de marca?
O método do design se instrumentaliza de uma investigação em profundidade dos desejos das pessoas.

Como construir isso da forma mais amigável ao ser humano com um senso de utilidade que surpreenda muito forte as funções? Em vez de se instrumentalizar apenas das referências de marketing ou publicitária, vamos nos apropriar dessa maneira de pensar as coisas e aplicar ao negócio. Porque só o design resolve esses conflitos das compartimentizações dos modelos necessários para atuar no operacional. O design é antes de tudo uma investigação estrutural do que vai interagir com o ser humano lá na frente. Esse é o propósito de uma marca. Já se discute amplamente que o modelo de pensar o negócio na atualidade com essa relação estreita de essência com o consumidor. O método do design oxigena o cérebro dos gestores. Se a gente traz isso para dentro do modelo de gestão, conseguimos obter uma interatividade muito maior do que preso às planilhas.

Então, eu posso explicar a um RH que ele é a pauta principal do CEO porque ele está cercado de gente selecionada pelo departamento. Qual é a contribuição que o RH, a contabilidade, a gestão de estoque dá para a empresa? O meio mais simples e mais imediato é fazer entendê-los do ponto de vista do design. Como uma empresa se resolve melhor? Criando um comitê em que as principais áreas da empresa discutem a marca, porque eles precisam compartilhar e disseminar o que estão fazendo.

Questionar sempre o princípio do design thinking to business. É uma espécie de inquietação necessária. É preciso buscar a inovação o tempo todo. Inovação tem definição. Inovação são ideias de valor implementadas com sucesso. Só que o sucesso não te pertence. Se fizer sucesso, terá inovação. Inovação não se confunde com o novo. Inovação é algo a mais que ultrapassa os limites da expectativa e que tem uma ideia nova de valor, ou seja, cria-se um valor que não existia.

E as empresas brasileiras têm essa inquietação necessária?
O brasileiro tem a seu favor a maior taxa de criatividade, que é o ingrediente básico da inovação do mundo. Não é fácil viver tantos anos de superinflação e ter sobrevivido. Essa é a nossa riqueza. Uma empresa que existe, existe heroicamente. Agora vivemos um novo momento, com a concorrência global. Mas as empresas brasileiras vão saber sair disso, usando a criatividade.

Segundo uma pesquisa da Fiesp/Ibope, na hora de experimentar um novo produto, os consumidores preferem marcas que eles confiam e conhecem. Como a empresa pode trabalhar a gestão da marca para conquistar isso?
Estamos experimentando os primeiros passos da democratização. Essa grande inquietação nos colocou de frente para o mundo. Estar de frente para o mundo é inevitável. O que fazer? Usar as tecnologias adequadamente. Elas precisam deixar de ser infra-estrutura e custo para o empresário. Dá para nascer uma empresa sem infra-estrutura de tecnologia? Dá para nascer uma empresa de varejo que não gerencia os estoques? Ou uma que não cobra adequadamente os seus clientes? Ou uma que não faz interação com cartão crédito? Uma empresa que não tem site?

Não pode mais, mas isso é infra estrutura. Isso é o básico. Quando ele começa a utilizar as tecnologias de encantamento do consumidor? Quando ele começa a perceber que seus consumidores pertencem a um universo geodemográfico bem determinado. Quando ele percebe que o Serviço de Atendimento ao Cliente é um canal que as pessoas têm direito de ligar e a empresa tem obrigação de responder.
E quem está falando “alô” conhece a empresa? Existem vários aspectos a serem trabalhados. O desafio brasileiro é a capacitação dos empresários. Eles são criativos, mas isso só não basta. Tem que ser criativo com ferramentas de gestão. O objetivo final é encantar o cliente.

O que o senhor pensa sobre fidelização de marca?
Abaixo a fidelização. Viva o fã clube. Um exemplo clássico disso é a marca americana de motocicletas Harley-Davidson. Os fãs são advogados da marca. Eles são pregadores, ou seja, evangelizadores da marca. Não no sentido de convencer os outros a usar a marca. Mas, sim, para deixar claro, que eles compram Harley-Davidson, porque são apaixonados e se sentem realizados simbolicamente e sensorialmente.

Ou seja, existe uma conexão com a marca.  O problema não é a fidelização, mas fazer a retenção. Para o seu cliente comprar de novo, é preciso existir uma relação continuada com ele. Se você deixa o consumidor ao acaso, ele olha para o lado e acabou a relação. Se eu tenho um produto igual, com uma embalagem mais legal, com a mesma qualidade, você muda. É preciso criar um processo de retenção para além do produto. Ou seja, o que produto representa para a vida do consumidor.

Entrevista realizada por Margaret Hayasaki, editora da Revista Pack.
“O consumo não é uma disputa de produtos. É uma disputa de cabeças” “O consumo não é uma disputa de produtos. É uma disputa de cabeças” Reviewed by Unknown on Friday, December 03, 2010 Rating: 5

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