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Eu não durmo, tu não dormes
Eu não durmo, tu não dormes
Com um estilo de trabalho infernal, o carioca Antonio Quintella transformou o Credit Suisse numa máquina de ganhar dinheiro no Brasil
O profissional que deu a EXAME o depoimento abaixo não deve ser objeto de piedade - sua remuneração anual supera 1 milhão de reais, e ele sabia onde estava se metendo ao trabalhar sob o comando do carioca Antonio Quintella no banco de investimentos suíço Credit Suisse. "Quem não respondesse aos emails do Quintella em poucos minutos, a qualquer hora do dia ou da noite, estava ferrado. Ele te deixa de lado, se aproxima daqueles que operam no mesmo ritmo dele. Você acaba escanteado. A cada noite, eu entrava em pânico. Só ia dormir após a publicação dos jornais na internet. Assim, se um cliente nosso estivesse fazendo uma operação com outro banco, ia preparando uma desculpa, já que isso o Quintella não perdoa. E, para evitar que um e-mail seu na madrugada passasse batido, dormia com o BlackBerry apoiado na barriga, desligava a campainha e acionava o modo de vibração. Assim, pelo menos minha mulher não acordava. Os e-mails chegavam, o aparelho vibrava, eu levava um susto, mas respondia na hora. Quem quisesse crescer com o Quintella não tinha opção. Era isso ou bye-bye."
Nos últimos sete anos, enquanto Antonio Quintella presidiu a operação brasileira do Credit Suisse, sua infernal ética de trabalho operou uma espécie de milagre. No resto do mundo, o banco suíço é considerado um competidor mediano, muito inferior a rivais como os americanos Goldman Sachs e Morgan Stanley. No Brasil, sob seu comando, deu-se o contrário. Nenhum banco ganhou tanto dinheiro quanto o Credit Suisse com a onda de aberturas de capital iniciada em 2004 no país. Ao mesmo tempo, manteve-se nas primeiras posições nos rankings de assessoria de fusões e aquisições. E, finalmente, Quintella tornou o Credit Suisse uma das mais importantes gestoras de recursos do país com a aquisição da Hedging-Griffo, em 2006. Esse desempenho deu origem a situações bizarras. Nos anos dourados do mercado de capitais (2006 e 2007), executivos do Credit Suisse no Brasil ganharam mais dinheiro que seus pares nos maiores mercados. Em alguns casos, dezenas de milhões de dólares no fim do ano. Esse desempenho acabou premiado em junho: Quintella foi promovido à presidência do Credit Suisse nas Américas. Poucos brasileiros voaram tão alto no sistema financeiro mundial.
Como Quintella conseguiu? A operação brasileira do Credit Suisse tem em suas origens o extinto banco Garantia, fundado na década de 70 por Jorge Paulo Lemann e comprado em 1998 pelos suíços. Quando Quintella assumiu o banco, o Credit Suisse era uma cópia piorada do velho Garantia - um banco dominado pelos operadores de mesa, especialistas em comprar e vender títulos. Quintella percebeu que, com a estabilidade e o crescimento econômico, a maior fonte de receitas do banco seria a assessoria a empresas em aberturas de capital ou fusões, e não a mesa. E, para fazer isso, seria necessário transformar a cultura do banco. Em 2004, contratou um veterano do Garantia e outro workaholic assumido, José Olympio Pereira, para chefiar a área. Ambos mantiveram traços fundamentais do Garantia, como a competição interna e a remuneração fortemente atrelada ao desempenho individual. Mas, para conquistar as empresas, seria preciso trabalhar ainda mais duro. "Antes, quem fosse embora do banco muito depois do fechamento do mercado era visto como estúpido", diz um exfuncionário do Credit Suisse. "A partir da chegada dos dois, não pedir o jantar no escritório era pecado." Os domingos passaram a ser considerados dias de semana. A brincadeira entre os funcionários é que, para conseguir chegar imediatamente antes de José Olympio Pereira ao escritório, alguns deles pagam um detetive para segui-lo. "Ninguém trabalha por chicote. Todo mundo quer a recompensa", diz Pereira.
A recompensa, sem dúvida, veio, como os fantásticos bônus acumulados pelos funcionários do banco demonstram - mas o histórico do lado dos investidores é mais duvidoso. Dezenas de empresas que foram à bolsa de 2004 para cá deram retornos sofríveis (esse pecado, vale dizer, é compartilhado por diversos bancos que protagonizaram a farra dos IPOs em 2006 e 2007). A agressividade da equipe de Quintella deu origem à polêmica estratégia dos empréstimos pré-IPO, que engordavam as empresas antes da ida à bolsa e acabavam, em alguns casos, por sufocá-las depois. Por fim, Quintella carregará em seu currículo a operação mais escandalosa da história recente do mercado de capitais brasileiro, a abertura de capital da Agrenco, coordenada pelo Credit Suisse - e que levou seus controladores à prisão por suposta fraude e transformou o dinheiro dos investidores em pó. Esses reveses, no entanto, não afastaram empresas como a Perdigão e a EBX, de Eike Batista, do círculo de clientes cativos do Credit Suisse.
Bônus reduzidos
Foi o agravamento da crise financeira mundial, em 2008, que começou a gerar atritos entre a cúpula do banco e a equipe no Brasil. Os órgãos reguladores suíços pressionaram para que os bancos locais ajustassem os mecanismos de bonificação - que passaram a ser definidos não apenas pelo resultado de cada operação mas também pelo risco que ela corria. Boa parte da recompensa passou a ser paga em ações do próprio banco e em títulos podres lastreados em hipotecas. Resultado: como se não bastasse o bônus ter ficado menor, a parcela paga em dinheiro vivo também minguou. Segundo três executivos ouvidos por EXAME, essa mudança de regras desagradou ao alto escalão do Credit Suisse no Brasil. Para recuperar a autonomia perdida, Quintella teria sugerido aos suíços a criação de uma área independente de investimentos alternativos, que incluiria um fundo de private equity, mas o banco não encampou a ideia. Rumores de que José Olympio Pereira e Marcelo Kayath, chefe da área de pesquisa e vendas do CS, criariam um banco ganharam força. Ainda segundo esses executivos, a promoção de Quintella foi uma forma de mantê-lo no banco e, ao mesmo tempo, fazer a fila andar na operação brasileira. Pereira e Kayath foram promovidos a corresponsáveis pelo banco de investimento. Procurado, Quintella respondeu, por meio de sua assessoria, que a história não procede.
No novo cargo, Quintella tem uma missão complexa: replicar em outros países a estratégia que deu certo no Brasil. Seu desafio é tornar o Credit Suisse forte em suas três áreas - banco de investimento, gestão de recursos e private banking. Em locais como México e Canadá, a presença dos suíços está praticamente restrita ao banco de investimento, e olhe lá. Na prática, a tarefa será extremamente complicada, sobretudo por envolver muito mais burocracia e disputas territoriais do que Quintella encontrava no Brasil, onde o poder se concentrava nele. O BlackBerry dos gringos começará a vibrar na madrugada - a dúvida, a partir de agora, é se eles responderão ou não.
Guilherme Fogaça, da EXAME
Nos últimos sete anos, enquanto Antonio Quintella presidiu a operação brasileira do Credit Suisse, sua infernal ética de trabalho operou uma espécie de milagre. No resto do mundo, o banco suíço é considerado um competidor mediano, muito inferior a rivais como os americanos Goldman Sachs e Morgan Stanley. No Brasil, sob seu comando, deu-se o contrário. Nenhum banco ganhou tanto dinheiro quanto o Credit Suisse com a onda de aberturas de capital iniciada em 2004 no país. Ao mesmo tempo, manteve-se nas primeiras posições nos rankings de assessoria de fusões e aquisições. E, finalmente, Quintella tornou o Credit Suisse uma das mais importantes gestoras de recursos do país com a aquisição da Hedging-Griffo, em 2006. Esse desempenho deu origem a situações bizarras. Nos anos dourados do mercado de capitais (2006 e 2007), executivos do Credit Suisse no Brasil ganharam mais dinheiro que seus pares nos maiores mercados. Em alguns casos, dezenas de milhões de dólares no fim do ano. Esse desempenho acabou premiado em junho: Quintella foi promovido à presidência do Credit Suisse nas Américas. Poucos brasileiros voaram tão alto no sistema financeiro mundial.
Como Quintella conseguiu? A operação brasileira do Credit Suisse tem em suas origens o extinto banco Garantia, fundado na década de 70 por Jorge Paulo Lemann e comprado em 1998 pelos suíços. Quando Quintella assumiu o banco, o Credit Suisse era uma cópia piorada do velho Garantia - um banco dominado pelos operadores de mesa, especialistas em comprar e vender títulos. Quintella percebeu que, com a estabilidade e o crescimento econômico, a maior fonte de receitas do banco seria a assessoria a empresas em aberturas de capital ou fusões, e não a mesa. E, para fazer isso, seria necessário transformar a cultura do banco. Em 2004, contratou um veterano do Garantia e outro workaholic assumido, José Olympio Pereira, para chefiar a área. Ambos mantiveram traços fundamentais do Garantia, como a competição interna e a remuneração fortemente atrelada ao desempenho individual. Mas, para conquistar as empresas, seria preciso trabalhar ainda mais duro. "Antes, quem fosse embora do banco muito depois do fechamento do mercado era visto como estúpido", diz um exfuncionário do Credit Suisse. "A partir da chegada dos dois, não pedir o jantar no escritório era pecado." Os domingos passaram a ser considerados dias de semana. A brincadeira entre os funcionários é que, para conseguir chegar imediatamente antes de José Olympio Pereira ao escritório, alguns deles pagam um detetive para segui-lo. "Ninguém trabalha por chicote. Todo mundo quer a recompensa", diz Pereira.
A recompensa, sem dúvida, veio, como os fantásticos bônus acumulados pelos funcionários do banco demonstram - mas o histórico do lado dos investidores é mais duvidoso. Dezenas de empresas que foram à bolsa de 2004 para cá deram retornos sofríveis (esse pecado, vale dizer, é compartilhado por diversos bancos que protagonizaram a farra dos IPOs em 2006 e 2007). A agressividade da equipe de Quintella deu origem à polêmica estratégia dos empréstimos pré-IPO, que engordavam as empresas antes da ida à bolsa e acabavam, em alguns casos, por sufocá-las depois. Por fim, Quintella carregará em seu currículo a operação mais escandalosa da história recente do mercado de capitais brasileiro, a abertura de capital da Agrenco, coordenada pelo Credit Suisse - e que levou seus controladores à prisão por suposta fraude e transformou o dinheiro dos investidores em pó. Esses reveses, no entanto, não afastaram empresas como a Perdigão e a EBX, de Eike Batista, do círculo de clientes cativos do Credit Suisse.
Bônus reduzidos
Foi o agravamento da crise financeira mundial, em 2008, que começou a gerar atritos entre a cúpula do banco e a equipe no Brasil. Os órgãos reguladores suíços pressionaram para que os bancos locais ajustassem os mecanismos de bonificação - que passaram a ser definidos não apenas pelo resultado de cada operação mas também pelo risco que ela corria. Boa parte da recompensa passou a ser paga em ações do próprio banco e em títulos podres lastreados em hipotecas. Resultado: como se não bastasse o bônus ter ficado menor, a parcela paga em dinheiro vivo também minguou. Segundo três executivos ouvidos por EXAME, essa mudança de regras desagradou ao alto escalão do Credit Suisse no Brasil. Para recuperar a autonomia perdida, Quintella teria sugerido aos suíços a criação de uma área independente de investimentos alternativos, que incluiria um fundo de private equity, mas o banco não encampou a ideia. Rumores de que José Olympio Pereira e Marcelo Kayath, chefe da área de pesquisa e vendas do CS, criariam um banco ganharam força. Ainda segundo esses executivos, a promoção de Quintella foi uma forma de mantê-lo no banco e, ao mesmo tempo, fazer a fila andar na operação brasileira. Pereira e Kayath foram promovidos a corresponsáveis pelo banco de investimento. Procurado, Quintella respondeu, por meio de sua assessoria, que a história não procede.
No novo cargo, Quintella tem uma missão complexa: replicar em outros países a estratégia que deu certo no Brasil. Seu desafio é tornar o Credit Suisse forte em suas três áreas - banco de investimento, gestão de recursos e private banking. Em locais como México e Canadá, a presença dos suíços está praticamente restrita ao banco de investimento, e olhe lá. Na prática, a tarefa será extremamente complicada, sobretudo por envolver muito mais burocracia e disputas territoriais do que Quintella encontrava no Brasil, onde o poder se concentrava nele. O BlackBerry dos gringos começará a vibrar na madrugada - a dúvida, a partir de agora, é se eles responderão ou não.
Guilherme Fogaça, da EXAME
Eu não durmo, tu não dormes
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Wednesday, November 03, 2010
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