Desafios e oportunidades para marcas que investem em educação
Conheça os casos de sucesso do Bradesco, Itaú, Natura e Telefônica
Uma das causas de maior relevância social, a educação é uma das áreas tradicionais quando se trata de investimentos em atitude de marca. Embora sua importância seja inquestionável, o tema requer um alto grau de responsabilidade por parte das organizações que fazem dele objeto de investimento. Delicada, a questão educacional rodeia feridas há muito tempo abertas no contexto brasileiro e exige destreza quanto à consistência pedagógica das ações desenvolvidas, credibilidade na seleção de parceiros, adoção de uma linguagem correta para dialogar com entes públicos, gestão qualificada, mensuração de resultados, monitoramento contínuo de impactos e uma comunicação adequada aos objetivos definidos.
Tantos desafios não impedem uma profusão de marcas que têm na educação um dos principais focos de suas atitudes. Na última edição da pesquisa goodpurpose – apresentada no Brasil pela Edelman Significa – a área foi apontada pelos entrevistados locais como uma das mais importantes a serem priorizadas. Sob o ponto de vista das organizações, não é diferente: de acordo com a edição 2009/2010 do censo de investimento social privado realizado pelo GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), a educação é vista como principal foco por 82% das entidades que integraram o estudo. Deste total, a maioria dos respondentes dedica-se à execução de projetos em detrimento de apenas financiá-los. Da amostra do levantamento, 86% das instituições estão ligadas a marcas direta ou indiretamente. O restante da composição refere-se a organizações familiares, independentes e comunitárias.
A relevância da causa
Tamanho interesse por parte do meio empresarial refere-se à urgência da causa sob diversos aspectos. Além dos impactos sociais positivos que este tipo de atitude é capaz de gerar, existem benefícios que contribuem para valorizar as marcas e, também, fortalecer suas respectivas reputações de cidadania. Em uma perspectiva de longo prazo, também é de interesse das companhias formar pessoas que, futuramente, possam constituir um grupo de profissionais qualificados para ingressar no mercado de trabalho. Todavia, obtêm reconhecimento em um largo horizonte de tempo as atitudes educacionais que sejam relevantes tanto nos âmbitos social quanto no empresarial.
Trata-se, sem dúvida, de uma causa relevante em todo o país. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), coordenada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de analfabetismo no país em 2009 foi de 2,5% entre crianças de 10 a 14 anos; entre jovens a partir de 15 anos, o índice chegou a 9,7% da população. No que se refere ao abandono escolar, o Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) apontam uma taxa de 11,5% apenas no Ensino Médio em 2009. No mesmo nível, o índice de reprovação atingiu 12,6% no período.
Embora os números do Ensino Fundamental sejam ligeiramente melhores, ainda há claras lacunas a serem preenchidas. E, neste sentido, o campo educacional é um dos terrenos simultaneamente mais férteis e delicados para o engajamento entre corporações, governos e entidades do terceiro setor. Do mesmo modo que se faz necessário o aprimoramento da gestão governamental quanto ao tema, é crescentemente importante o fortalecimento dos elos entre estes três pilares com vistas a gerar perspectivas positivas para os beneficiários e condutores das iniciativas. Quanto mais intensa e consistente esta interação, melhores podem ser as políticas públicas, a relação das empresas com suas comunidades e a efetividade das ações realizadas por organizações não governamentais.
A diretora executiva da entidade Todos pela Educação, Priscila Cruz, afirma que é necessário equilibrar interesses sociais e objetivos de negócio na abordagem do tema. De acordo com ela, há uma grande carga de investimentos privados em atitudes educacionais, mas há dúvida se todos geram resultados efetivos. Na visão da dirigente, a cultura de métricas criou condições para o desenvolvimento de diagnósticos mais precisos sobre a área, o que permite abordagens aprofundadas por parte das empresas. Priscila acredita que o papel corporativo deve orientar-se a complementar e influenciar positivamente as políticas públicas: “as marcas não podem sobrepor-se ao papel do Estado na educação”, diz. Neste sentido, segundo ela, seria mais produtivo para as empresas atuar no contraturno escolar, com iniciativas sintonizadas às atividades formais.
Para a diretora do Todos pela Educação, embora as atitudes sejam massivas na área, há um longo caminho a ser percorrido. “Temos uma população imensa de crianças e jovens que não aprenderam o básico. Falar de inovação talvez seja temerário. É preciso ajudar na solução do primeiro problema”, afirma. Priscila crê na escolha consciente da abordagem educacional como ponto crucial para a atuação corporativa. Para ela, criatividade no recorte a ser definido e consistência a partir de diagnósticos minuciosos são as bases para uma plataforma que tenha importância social. “A relevância depende de um esforço de olhar para uma realidade objetiva, em que muitos estão fora da escola, poucos concluem o Ensino Médio e ainda o fazem mal.”
O perfil das atitudes na educação
A complexidade da área educacional também se reflete na possibilidade de frentes passíveis de abordagem. A pesquisa do GIFE aponta como principais linhas de ação adotadas a capacitação de professores; oficinas de arte-educação; instalação de bibliotecas e laboratórios; doações de livros e materiais didáticos e produção de conhecimento. Dentre as menos citadas, figuram o ensino a distância, capacitação administrativa e concessão de bolsas de estudo.
Quanto ao público beneficiário das atitudes, a pesquisa mostra a predominância de alunos dos ensinos Fundamental e Médio. No que se refere ao tipo das atividades desenvolvidas, equilibram-se as intervenções extracurriculares e regulares, logo seguidas de ações ligadas à educação não regular. A abrangência da problemática educacional também influencia a decisão de investimento. O levantamento do GIFE demonstra que o tema é fator preponderante na escolha da área de atitude, suplantando critérios como foco geográfico e recortes por segmentos populacionais.
Entretanto, na opinião do gerente de conhecimento do GIFE, Andre Degenszajn, a educação torna-se prioritária, também, por se tratar de um território mais conhecido – uma vez que, no limite, as marcas não deixam de pensar na relação com seus consumidores. “É difícil para as empresas abraçar temas mais delicados para investimento e, por isso, acabam se preocupando com educação, primordialmente. Não há dúvidas de que é certo. Isso acontece, sobretudo, pois há uma marca a zelar”, afirma.
Práticas e desafios
A Fundação Telefônica demonstra de forma explícita a correlação entre suas iniciativas educacionais e a marca da multinacional espanhola. Segundo Gabriella Bighetti, gerente de projetos da instituição, o negócio da companhia é um fator benéfico para suas iniciativas. E, ao mesmo tempo, as atitudes capitaneadas pela fundação qualificam os atributos da marca. “As tecnologias da Telefônica são a diferença. Em tempos de confluência entre cultura digital e educação, temos a chance de nos alinharmos a esta tendência e darmos significado a este progresso tecnológico”, diz. Na correlação com a marca da companhia, os atributos evidenciados nas atitudes educacionais são inovação e qualidade. Para a fundação, eles propiciam o alcance “de bons resultados sociais”.
Os programas da instituição mais orientados à educação são o EducaRede, um portal voltado a instituições, alunos e escolas da rede pública e o Pró-Menino, direcionado à garantia dos direitos de crianças e adolescentes. De acordo com Gabriella, a constante interlocução com a esfera governamental é um desafio para a gestão das atitudes educacionais. “Tempo para aprovação de projetos, transições de mandato e até a linguagem são fatores com os quais temos de lidar”, afirma. Quanto à gestão das ações, lembra que a fundação não executa diretamente as iniciativas, mas conta com parceiros convidados ou escolhidos por edital. Todavia, é preciso, na visão de Gabriella, acompanhar e certificar-se sobre os resultados de cada projeto. “É uma premissa nossa monitorar o processo de cada iniciativa e medir o impacto final delas. E cada programa requer uma métrica própria justamente pela diferença de naturezas”, avalia.
A Fundação Telefônica foca suas ações em educação integral, que inclui o contraturno escolar, além de atividades esportivas, culturais, dentre outras complementares. Gabriella acredita que tal estratégia tem maior potencial de contribuir com o desenvolvimento dos beneficiários. Em sua opinião, o território educacional não está saturado para atitudes: “existem muitos agentes envolvidos com o tema, mas é um contexto amplo e complexo, que precisa de ainda mais pessoas e instituições que possam contribuir”.
O setor de telecomunicações tem a particularidade de conectar-se com mais ênfase à questão educacional em decorrência da tecnologia. Desta forma, as grandes concessionárias posicionam-se com ações que ligam o negócio à causa, como é o caso da Fundação Telefônica.
Entre os prestadores de serviços móveis, não é diferente. O Instituto Vivo, criado em 2004, tem suas atividades sintonizadas com a essência da marca corporativa, que exalta os benefícios da sociedade em rede para os indivíduos e reforça o papel da empresa como agente facilitador da conexão entre tais pessoas. Seu escopo, que contempla quatro programas sociais, tem como destaque a Rede Vivo Educação, cujo objetivo é o de reunir pensadores que reflitam sobre o tema dentro do contexto preconizado pela marca. Conduzido por um Conselho Consultivo formado por profissionais renomados de diferentes disciplinas, trata-se de um fórum que aborda as implicações de tecnologias móveis sobre os processos educacionais. O debate tem, ainda, uma extensão virtual sob o formato de rede social. Em 2009, a entidade realizou um seminário para discutir o tema.
O Instituto Claro, por sua vez, também vê na tecnologia um fator de empoderamento dos indivíduos que, potencializada pela educação, cria melhores condições para o desenvolvimento sustentável. A causa do instituto, traduzida no mote “Empreender para Educar e Educar para Empreender” baliza suas frentes de atuação. Na primeira, Empreender para Educar, a entidade estimula o desenvolvimento de soluções que viabilizem novos modelos de aprendizagem. A outra iniciativa, que complementa a causa, estimula a cultura empreendedora a partir de tecnologias emergentes.
No Instituto Oi Futuro, que se apoia na tecnologia como elemento de combate à desigualdade no país, lidera três iniciativas a partir de tal premissa. O NAVE (Núcleo Avançado em Educação) é um centro de investigação que dialoga com governos, ONGs e empresas com o objetivo de criar produtos e linguagens didáticas orientadas à inovação de processos de aprendizagem. Com unidades em Pernambuco e Rio de Janeiro, o projeto fundamenta-se na educação formal por meio da qualidade no Ensino Médio, em um espaço de pesquisa e um pólo encarregado de propagar as produções resultantes da iniciativa.
Outra frente de atuação, chamada Oi Kabum!, capacita jovens em disciplinas que correlacionam arte e tecnologia. Focado na periferia de grandes cidades, tem nas escolas uma base para a disseminação de conhecimento junto às comunidades que compõem tais regiões. Ainda com foco comunitário, o projeto Tonomundo faz de laboratórios de informática centros de produção e disseminação de conhecimento junto à rede pública de Ensino Fundamental.
O setor financeiro, pela pressão sobre a reputação dos bancos, o contato intenso com consumidores e a abrangência territorial, também cumpre papel importante nas atitudes educacionais. Uma das mais emblemáticas é conduzida pela Fundação Bradesco que, há mais de cinco décadas, atua junto a todos os níveis de ensino – abarcando, inclusive, a formação profissional e a educação de jovens e adultos. A entidade mantém, hoje, 40 escolas distribuídas em todos os estados e, em 2010, beneficiou aproximadamente 115 mil alunos. A instituição também investe na formação continuada de docentes e tem nas parcerias um grande trunfo. Cisco, Intel, Bovespa, Fundação SOS Mata Atlântica e Projeto Cidade Escola Aprendiz figuram entre os interlocutores principais. Além disso, a Fundação Bradesco oferece cursos complementares sobre temas específicos, desenvolve ações com foco em comunidades e estimulam projetos ligados à pesquisa e práticas pedagógicas.
Em 2010, o orçamento da Fundação Bradesco totalizou R$ 262,3 milhões de reais. Nos últimos cinco anos, de acordo com a entidade, o índice de aprovação nos ensinos Fundamental, Médio e Profissionalizante foi de 95,1%. Outro grande banco envolvido com a educação é o Itaú, que também enxerga no tema uma das principais vias de garantia do desenvolvimento sustentável. A Fundação Itaú Social destina-se à “formulação, implantação e disseminação de metodologias voltadas à melhoria de políticas públicas na área educacional e à avaliação de projetos sociais”.
Em atividade há 10 anos, a entidade também se vale fortemente das parcerias empresariais, governamentais e civis para concretizar suas atividades. O negócio também contribui para as iniciativas da fundação por meio do aporte de competências técnicas e estreitamento, a partir das agências do banco, do relacionamento junto a comunidades. No campo prático, a entidade dedica-se a projetos voltados à educação integral, à leitura, escrita, inserção social de jovens e criação de um hábito de avaliação econômica de iniciativas sociais. A consistência das atitudes do banco é objeto de reconhecimento por parte de diversos públicos e gerou influência decisiva para uma série de políticas governamentais. O Instituto Unibanco, cuja marca integra o mesmo conglomerado financeiro, também atua de modo relevante sobre a causa.
No campo tecnológico, a Intel – parceira da Fundação Bradesco em uma de suas iniciativas – também estabelece uma intrínseca ligação entre as crenças da marca, a estratégia de negócio e atitudes. Com programas que tratam de tecnologia em sala de aula na educação básica, incentivo à pesquisa e feiras de ciências, atuação junto a comunidades por meio de telecentros e congêneres, bem como o estímulo ao empreendedorismo no ensino superior, a empresa – que conta com 5 mil PhDs em todo o mundo – tem na tecnologia uma premissa que abarca todas as suas ações. Para o gerente de educação da Intel, Rubem Saldanha (foto), “trata-se de uma corporação apaixonada pelo futuro. Quando nossas atitudes tratam de empreendedorismo por meio de startups de tecnologia, do professor usar de forma inovadora o computador em sala de aula, traduz-se materialmente o perfil da marca”. Saldanha reforça a interação com outras empresas, ONGs e o governo com o objetivo de complementar políticas públicas.
No universo dos bens de consumo, a Natura tem um dos papeis que mais se destacam na causa educacional, sobre a qual mantém atitudes há mais de 15 anos. Ao aproveitar a abrangência de sua rede de consultoras e os próprios consumidores para potencializar ações sociais, a empresa concilia relevância e integração às crenças e ao modelo de negócio. Uma de suas principais iniciativas neste sentido, o projeto Crer para Ver, tem como foco o incentivo à leitura e à escrita no âmbito do ensino público. Em 2010, a atitude beneficiou 350 municípios brasileiros, ao envolver quase 6 mil escolas e 457,6 mil crianças. Outras grandes companhias, como Gerdau, Volkswagen, Suzano, Coca-Cola, Votorantim, dentre outras, também possuem fundações ou institutos que conduzem ações voltadas à educação.
Comunicação das ações
Por ainda estar, em algum grau, ligada a ações de um passado no qual a filantropia determinava a decisão de investimentos em causas, a educação ainda não é objeto de ampla comunicação das atitudes. Na pesquisa goodpurpose realizada em 2010, os consumidores, no entanto, já exigem com mais veemência a divulgação por parte das empresas quanto às iniciativas e resultados de suas plataformas de atitude de marca. De um modo geral, a pesquisa do GIFE demonstra que 59% dos associados divulgam seus balanços sociais para todos os públicos. Neste campo, o desafio reside na elevação da consciência do empresariado para que estabeleça critérios de linguagem, conteúdo e mídias para propagar suas atitudes na mesma proporção de suas respectivas consistências.
Gestão e mensuração
As marcas devem atentar, sobretudo, à escolha e gestão do relacionamento com seus parceiros, à criteriosa seleção de projetos a serem conduzidos, ao monitoramento dos processos e medição de resultados. Além disso, como ressalta Priscila Cruz, diretora do Todos pela Educação, o aprofundamento nas reais demandas educacionais do país é fundamental. O constante acompanhamento das atitudes auxilia na adaptação ao longo das iniciativas e otimização dos recursos aplicados nas ações. Neste sentido, o aporte de metodologias externas ou o desenvolvimento de métricas próprias deve ser considerado prioritário. Quanto mais embasada uma atitude educacional, maior seu potencial de influir diretamente sobre a causa. E, munidas de resultados efetivos, as empresas ganham solidez para comunicar o impacto de suas práticas e, também, relacionar-se de forma mais autêntica com os públicos que compõem sua rede de criação de valor.
Fatores de sucesso em atitudes na educação:
1. Consistência: as ações devem ser pautadas por demandas reais e bem fundamentadas sob o formato de diagnósticos aprofundados. Parcerias com instituições e outras empresas renomadas auxiliam na chancela de qualidade e relevância para suas atitudes.
2. Diálogo com outros públicos: as atitudes educacionais devem ser resultado de um permanente e intenso processo de engajamento de outros públicos que auxiliem na fundamentação, reconhecimento e disseminação das ações.
3. Complementar o Estado: as empresas devem, principalmente, atuar de forma complementar às ações públicas e, a partir disso, contribuir para a melhoria de suas políticas. Atividades de contraturno escolar, por exemplo, são recomendáveis neste sentido. “O importante é não estabelecer sobreposição ao Estado”, afirma Priscila Cruz, diretora do Todos pela Educação.
4. Equilibrar causa e negócio: o negócio não deve eliminar a consistência na abordagem da questão educacional. É preciso balancear a percepção a ser criada pela atitude de marca e a relevância de sua ação social. Para tanto, criatividade, visão estratégica e aprofundamento técnico devem ser articulados no desenho da plataforma.
5. Gestão e mensuração: o foco na administração rotineira das ações, o desenvolvimento de sensores que permitam o acompanhamento constante dos projetos, o relacionamento próximo junto a executores e outros parceiros, bem como o desenvolvimento de metodologias e indicadores devem sempre ser considerados para garantir a relevância e o sucesso das atitudes.
Por Com:Atitude
Desafios e oportunidades para marcas que investem em educação
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Monday, February 14, 2011
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