O caso da marca corporativa da Procter & Gamble
A maior empresa de produtos de consumo e maior anunciante do mundo iniciou, há pouco mais de um mês, uma campanha de divulgação de sua marca corporativa no Brasil. A Procter & Gamble, depois de 22 anos no país, realiza a sua primeira ação de exposição institucional, sob a forma de uma enorme promoção em parceria com um programa de grande audiência da Rede Globo.
Aparentemente, poderia ser apenas uma jogada de marketing. Aliás, uma jogada gigantesca, porque a promoção tem vários “aviões” carregados de prêmios. Mas na verdade é muito mais que isso: é um movimento particularmente significativo num processo global de valorização da marca corporativa, iniciado há poucos anos e que reúne cada vez mais corporações.
A adesão da Procter & Gamble a essa tendência tem um sentido especialmente simbólico, pois esse conglomerado de marcas tão importantes e diversas, como Ariel, Gillete, Duracell, Hipoglós, Wella e Head & Shoulders, era praticamente uma das últimas grandes organizações que ainda mantinha a sua marca-mãe numa região de sombra ou de discreta exposição.
Vale um parêntesis. Não mencionar a marca-mãe de uma extensa família de produtos e optar por uma arquitetura de “marcas independentes” justifica-se, entre outros argumentos de seus praticantes, por duas razões. A primeira é a autonomia das diferentes unidades de negócios. A segunda é a não exposição da coexistência de negócios conflitantes num mesmo portifólio.
Mas o fato é que a idéia de conferir visibilidade e pertinência à marca corporativa está em franca expansão. Caminha para o fim o “silêncio corporativo” que tanto contrastava com a turbulência do marketing. O mundo mais transparente e dialógico da internet impulsiona para isso: as organizações precisam apresentar a chancela corporativa que avaliza seus negócios e suas práticas. Não há como esconder ou disfarçar essa credencial. Consumidores e demais públicos das empresas estão atentos e cobrando para saber quem “está por trás” dos produtos e serviços que utilizam.
Além das razões de proteção e defesa, há motivos mais nitidamente econômicos para tal movimento. Quanto mais forte é o prestígio e a reputação da marca corporativa, mais capacidade ela tem para gerar valor incremental para os negócios da companhia, seja facilitando a expansão de produtos “da mesma família”, seja viabilizando ganhos de participação e margem ou até mesmo propiciando economia na divulgação conjunta e sinérgica de produtos, que antes se promoviam separadamente.
No entanto, a marca corporativa não é apenas um desenho, uma logomarca, um slogan ou um truque promocional para reforçar a presença da companhia. A marca corporativa só existe e pode transferir energia quando ela cumpre um roteiro básico, a saber:
- tem uma promessa central – ou seja, uma síntese em uma palavra ou frase do que a marca deseja significar no coração e na mente dos seus públicos de relacionamento;
- ostenta valores corporativos – são valores e crenças que inspiram os movimentos da corporação e estão acima das características ou features de produtos;
- expressa a postura da organização – são atitudes que traduzem o posicionamento da marca, facilitam a sua identificação e criam a sua diferença em relação à concorrência.
Em outras palavras, uma marca corporativa é resultado de uma composição entre a missão da empresa, a cultura que detém e a maneira como ela se comporta e quer ser percebida. Esse conjunto deve se estender para todos os símbolos, mensagens e experiências que fazem parte da marca.
Surgem então as perguntas: a campanha promocional da P&G contempla no todo ou em parte esse roteiro? Qual é a promessa central da P&G? Quais os valores e a postura da companhia? Como essa marca se relaciona com as marcas dos produtos da empresa e pode operar na transferência de valor para eles?
O presidente da agência que fez a campanha disse que o conceito da promoção “Provou &Gostou” tem “como objetivo ressaltar a qualidade dos produtos e a aprovação dos consumidores”. Bem, pode ser que aí realmente resida a promessa central da Procter & Gamble.
Mas evidentemente a campanha não responde a tudo e nem deve ter essa pretensão. Talvez o site da P&G, sua política de patrocínios e outras manifestações importantes da organização sejam elementos a mais nesse processo – espera-se, progressivo - de explicitação da marca-mãe.
No plano corporativo, os concorrentes muitas vezes se transformam em boas referências. Por isso, nada melhor aqui do que lembrar a Unilever. Essa outra grande corporação também iniciou no Brasil, a partir do ano de 2004, um esforço pioneiro de corporate branding. Um dos primeiros passos foi exatamente revelar, por meio de uma marca-conceito, o “coração”, a promessa central da organização: vitalidade. Na sequencia, vieram outros movimentos que, passando inclusive por uma promoção, culminam hoje com uma grande ação de compromisso da marca com a sustentabilidade (“Cada gesto conta”).
Depois de alguns anos dedicados a esse trabalho, a Unilever está colhendo frutos do reconhecimento e do poder de transferência de prestígio de sua marca, conforme atestam depoimentos de seus dirigentes. Assim como tem acontecido com várias outras organizações no Brasil e mundo: General Electric, Philips, Votorantim, Nestlé, Coca-Cola Brasil, Johnson&Johnson, para citar algumas.
Em todos esses casos, é possível assinalar certos procedimentos que se impõem na abordagem da marca corporativa: 1) não é algo que se constrói da noite para o dia, é trabalho contínuo e permanente; 2) deve incorporar promessas e valores que estão além do marketing e pertencem aos fundamentos da organização; 3) não se dirige apenas para consumidores, mas dialoga com todos os stakeholders; 4) não é responsabilidade de um só departamento, mas precisa envolver toda a organização, a começar pela alta direção.
Como bem assinala o especialista inglês John Balmer, esse foco na marca corporativa, mais do que resultados imediatos para a empresa, deve buscar a geração de valor para todos que com ela interagem e relacionam. Pelas proporções da campanha promocional realizada pela Procter & Gamble, fica claro que a empresa “provou & gostou” do corporate branding. Só cabe torcer para que continue nesse caminho. Provando e gostando cada vez mais.
Por Levi Carneiro: Diretor Associado do Grupo Troiano de Branding e diretor da Idéia Comunicação Empresarial.
Aparentemente, poderia ser apenas uma jogada de marketing. Aliás, uma jogada gigantesca, porque a promoção tem vários “aviões” carregados de prêmios. Mas na verdade é muito mais que isso: é um movimento particularmente significativo num processo global de valorização da marca corporativa, iniciado há poucos anos e que reúne cada vez mais corporações.
A adesão da Procter & Gamble a essa tendência tem um sentido especialmente simbólico, pois esse conglomerado de marcas tão importantes e diversas, como Ariel, Gillete, Duracell, Hipoglós, Wella e Head & Shoulders, era praticamente uma das últimas grandes organizações que ainda mantinha a sua marca-mãe numa região de sombra ou de discreta exposição.
Vale um parêntesis. Não mencionar a marca-mãe de uma extensa família de produtos e optar por uma arquitetura de “marcas independentes” justifica-se, entre outros argumentos de seus praticantes, por duas razões. A primeira é a autonomia das diferentes unidades de negócios. A segunda é a não exposição da coexistência de negócios conflitantes num mesmo portifólio.
Mas o fato é que a idéia de conferir visibilidade e pertinência à marca corporativa está em franca expansão. Caminha para o fim o “silêncio corporativo” que tanto contrastava com a turbulência do marketing. O mundo mais transparente e dialógico da internet impulsiona para isso: as organizações precisam apresentar a chancela corporativa que avaliza seus negócios e suas práticas. Não há como esconder ou disfarçar essa credencial. Consumidores e demais públicos das empresas estão atentos e cobrando para saber quem “está por trás” dos produtos e serviços que utilizam.
Além das razões de proteção e defesa, há motivos mais nitidamente econômicos para tal movimento. Quanto mais forte é o prestígio e a reputação da marca corporativa, mais capacidade ela tem para gerar valor incremental para os negócios da companhia, seja facilitando a expansão de produtos “da mesma família”, seja viabilizando ganhos de participação e margem ou até mesmo propiciando economia na divulgação conjunta e sinérgica de produtos, que antes se promoviam separadamente.
No entanto, a marca corporativa não é apenas um desenho, uma logomarca, um slogan ou um truque promocional para reforçar a presença da companhia. A marca corporativa só existe e pode transferir energia quando ela cumpre um roteiro básico, a saber:
- tem uma promessa central – ou seja, uma síntese em uma palavra ou frase do que a marca deseja significar no coração e na mente dos seus públicos de relacionamento;
- ostenta valores corporativos – são valores e crenças que inspiram os movimentos da corporação e estão acima das características ou features de produtos;
- expressa a postura da organização – são atitudes que traduzem o posicionamento da marca, facilitam a sua identificação e criam a sua diferença em relação à concorrência.
Em outras palavras, uma marca corporativa é resultado de uma composição entre a missão da empresa, a cultura que detém e a maneira como ela se comporta e quer ser percebida. Esse conjunto deve se estender para todos os símbolos, mensagens e experiências que fazem parte da marca.
Surgem então as perguntas: a campanha promocional da P&G contempla no todo ou em parte esse roteiro? Qual é a promessa central da P&G? Quais os valores e a postura da companhia? Como essa marca se relaciona com as marcas dos produtos da empresa e pode operar na transferência de valor para eles?
O presidente da agência que fez a campanha disse que o conceito da promoção “Provou &Gostou” tem “como objetivo ressaltar a qualidade dos produtos e a aprovação dos consumidores”. Bem, pode ser que aí realmente resida a promessa central da Procter & Gamble.
Mas evidentemente a campanha não responde a tudo e nem deve ter essa pretensão. Talvez o site da P&G, sua política de patrocínios e outras manifestações importantes da organização sejam elementos a mais nesse processo – espera-se, progressivo - de explicitação da marca-mãe.
No plano corporativo, os concorrentes muitas vezes se transformam em boas referências. Por isso, nada melhor aqui do que lembrar a Unilever. Essa outra grande corporação também iniciou no Brasil, a partir do ano de 2004, um esforço pioneiro de corporate branding. Um dos primeiros passos foi exatamente revelar, por meio de uma marca-conceito, o “coração”, a promessa central da organização: vitalidade. Na sequencia, vieram outros movimentos que, passando inclusive por uma promoção, culminam hoje com uma grande ação de compromisso da marca com a sustentabilidade (“Cada gesto conta”).
Depois de alguns anos dedicados a esse trabalho, a Unilever está colhendo frutos do reconhecimento e do poder de transferência de prestígio de sua marca, conforme atestam depoimentos de seus dirigentes. Assim como tem acontecido com várias outras organizações no Brasil e mundo: General Electric, Philips, Votorantim, Nestlé, Coca-Cola Brasil, Johnson&Johnson, para citar algumas.
Em todos esses casos, é possível assinalar certos procedimentos que se impõem na abordagem da marca corporativa: 1) não é algo que se constrói da noite para o dia, é trabalho contínuo e permanente; 2) deve incorporar promessas e valores que estão além do marketing e pertencem aos fundamentos da organização; 3) não se dirige apenas para consumidores, mas dialoga com todos os stakeholders; 4) não é responsabilidade de um só departamento, mas precisa envolver toda a organização, a começar pela alta direção.
Como bem assinala o especialista inglês John Balmer, esse foco na marca corporativa, mais do que resultados imediatos para a empresa, deve buscar a geração de valor para todos que com ela interagem e relacionam. Pelas proporções da campanha promocional realizada pela Procter & Gamble, fica claro que a empresa “provou & gostou” do corporate branding. Só cabe torcer para que continue nesse caminho. Provando e gostando cada vez mais.
Por Levi Carneiro: Diretor Associado do Grupo Troiano de Branding e diretor da Idéia Comunicação Empresarial.
O caso da marca corporativa da Procter & Gamble
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Wednesday, November 10, 2010
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